Assecor

O fim da SPI e por que o governo federal precisa de órgão dedicado a planejamento

 

Por Elaine Xavier, Flávia Duarte e Rodrigo Ramiro

A ameaça de extinção do órgão central de planejamento vai à contramão da necessidade de ampliar a produtividade do Governo Federal, diante do esforço em curso para recompor as contas públicas. Um choque de gestão é peça complementar indispensável do choque fiscal

Fonte: Brasil Debate

Foi com surpresa e indignação que, na semana passada, os servidores da Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos – SPI, órgão responsável pela coordenação do planejamento federal, receberam a notícia de que o Ministro Interino do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Dyogo Oliveira, havia tomado a decisão de extinguir o órgão e distribuir suas atribuições a outras unidades do Ministério.

A SPI vem sofrendo um processo de enfraquecimento já há alguns anos em virtude não apenas da retirada de algumas importantes atribuições, mas principalmente em decorrência do pouco valor conferido à própria função planejamento no Governo Federal e, por conseguinte, ao instrumento estabelecido pela Constituição Federal de 1988 para realizá-la: o Plano Plurianual. Ainda assim, a notícia da extinção da SPI deixou aqueles que trabalham ou se interessam por planejamento e gestão pública perplexos.

O momento social, político e econômico complexo e adverso que o País enfrenta requer o fortalecimento da função planejamento em âmbito governamental e não o seu abatimento. O Estado brasileiro precisa ter clareza quanto ao que é estratégico e prioritário neste momento e isto só será alcançado por meio de um planejamento federal consistente e coordenado.

Vejamos algumas das competências da SPI e como a supressão do órgão na administração federal pode ser danosa ao governo e ao País:

Coordenar a atuação governamental

A extinção de um dos órgãos centrais do Sistema de Planejamento e de Orçamento Federal, em um momento em que o governo precisa oferecer respostas imediatas aos problemas que se apresentam, torna o processo de coordenação (horizontal, vertical, territorial e temporal) das ações governamentais ainda mais difícil e suscetível a falhas.

Serão dezenas de órgãos federais trabalhando isoladamente, sem uma unidade administrativa coordenando o planejamento de sua atuação e assim contribuindo para evitar sobreposições ou lacunas na ação governamental. Essa fragmentação implica não apenas na perda de eficiência da ação governamental, com diversos órgãos despendendo recursos para a realização de uma mesma atividade, como também na perda de efetividade, visto que há resultados que dependem da articulação entre os órgãos públicos para serem alcançados e gerarem benefício à população.

Avaliar, monitorar e reprogramar

A ameaça de extinção do órgão central de planejamento vai à contramão da necessidade de ampliar a produtividade do Governo Federal, diante do esforço em curso para recompor as contas públicas. Um choque de gestão é peça complementar indispensável do choque fiscal.

Todo o empenho nessa direção, começa pelo reexame da programação do Governo, seu alinhamento às prioridades colocadas pela sociedade e às estruturas organizacionais, bem como ao dimensionamento de recursos.

É um equívoco, portanto, pensar que o ajuste fiscal é essencialmente um ajuste entre receitas e macrodespesas, ele é antes de tudo um ajuste fino e estrutural no conjunto da despesa, na qualidade do gasto. Não é razoável que isso possa ser feito sem o planejamento, sem a avaliação das políticas, o monitoramento de resultados e a reprogramação.

Articular a atuação governamental em diferentes horizontes temporais

A existência de um órgão especialmente dedicado à função planejamento contribui para contrarrestar a tendência natural de todo governante de fixar-se no curto prazo das urgências e no horizonte temporal do seu mandato em prejuízo de ações mais estruturantes. Esse comportamento se agrava em tempos de ajuste fiscal, como se em ambas situações não fosse vital orientar as decisões mirando horizontes temporais mais alargados, de médio e longo prazos.

Articular a atuação governamental territorialmente

A função planejamento não possui apenas uma dimensão setorial, responsável por otimizar e assegurar a qualidade do gasto. Tem também uma dimensão territorial, federativa, e o órgão de planejamento federal tem a importante missão de zelar para que as diversas políticas públicas não apenas considerem a componente setorial, mas também estejam articuladas regionalmente, atuando para reduzir as ainda graves disparidades sociais e econômicas do País.

A desconsideração da dimensão territorial no planejamento promove um afastamento entre os conceitos de eficiência, eficácia e efetividade. Afinal de contas, racionalizar o uso dos recursos públicos não é apenas gastar pouco e fazer mais. Racionalizar o uso dos recursos públicos significa também gastar melhor e isso pressupõe a capacidade de direcionar a atuação governamental para onde ela é necessária.

Da mesma forma, não é possível avaliar uma determinada ação do governo como eficaz apenas porque ele foi capaz de entregar os produtos previstos no Plano e nos orçamentos anuais, é preciso que o governo tenha sido capaz de entregar o produto onde o problema é mais grave. Considerar a dimensão territorial na aplicação dos conceitos de eficiência e eficácia abre caminho para aumentar a efetividade da atuação governamental.

Ampliar a Governança e a Transparência

O planejamento é um meio de integração do ambiente social às políticas públicas, traduzindo os anseios da sociedade por uma crescente governança dos projetos prioritários do governo. Esse ambiente de múltiplas pactuações entre governo e sociedade leva a uma demanda para inscrevê-las nos instrumentos de planejamento e orçamento, como forma de assegurar transparência e respeito aos compromissos assumidos.

Somente com uma unidade administrativa bem estruturada e empoderada, atenta à vinculação de diretrizes, objetivos e resultados assumidos aos meios de que dispõe o setor público para cumprir com as suas funções, o governo poderá ser efetivo.

Mobilizar recursos dentro e fora do governo e do setor público

Embora eficiência seja um valor importante na gestão pública, é preciso considerar que planejar é mais do que racionalizar e otimizar a aplicação de recursos orçamentário-financeiros. Planejar é o processo que permite mobilizar também os recursos financeiros não-orçamentários públicos e privados, além de outros recursos (normativos, organizacionais, humanos e gerenciais) necessários à consecução de um determinado fim. A SPI, responsável pela elaboração e gestão do Plano Plurianual Federal, possui um papel central na mobilização desses recursos dentro e fora do governo federal e do setor público.

Outras tantas importantes atribuições poderiam ser citadas para defender a existência de um órgão especialmente dedicado à função planejamento em âmbito federal.

No momento, o importante é perceber que o planejamento desempenha um relevante papel no processo de desenvolvimento nacional e que a decisão, em vias de efetivar-se, tomada pelo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão de acabar com a SPI, distribuindo o espólio de suas competências entre as demais unidades do Ministério, retira do governo a capacidade de realizar qualquer uma delas.

É inconcebível, portanto, que com a justificativa da necessidade de cortar cargos, o Ministério faça um movimento destes! Não pode o depauperamento progressivo do planejamento e os erros cometidos na condução recente da Secretaria serem argumentos para a eliminação da função. Estamos convictos que na ausência de planejamento resta apenas o improviso!


Por Elaine Xavier, Flávia Duarte e Rodrigo Ramiro

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